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Como a Vida Moderna Afeta sua Mente – E o Que o Yoga Ensina
Notificações, sobrecarga e fragmentação da atenção.
Agora mesmo, talvez você tenha olhado para o celular por causa de uma notificação. Calma, não estou aqui para ser fiscal, fique tranquilo. Mas, isso nos leva a refletir sobre o mundo em que vivemos: uma era de sobrecarga sensorial, informacional e emocional o impacto da vida moderna sobre a mente.
A cada instante, notificações disputam ferozmente pela nossa atenção, agendas se enchem de exigências externas, e o tempo — esse rio sagrado onde a vida deveria fluir com lucidez — se transforma em uma prisão apertada, comprimida entre metas, urgências e distrações (o black mirror). Essa aceleração constante molda a mente como um espelho trincado: fragmentada, inquieta, ansiosa e distorcida.
Os antigos yogis chamaram de citta-vṛtti as flutuações do campo psicoemocional — os movimentos incessantes da mente que turvam o espelho da consciência e obscurecem a percepção da realidade. Esses “redemoinhos mentais” nos mantêm enredados em ilusões, que não deixam de ser apenas nossas verdades relativas, impedindo-nos de reconhecer o que realmente é a consciência: o Si Mesmo.
O curioso, e até irônico, é que os mesmos movimentos que nos aprisionam também têm uma função essencial, pois o citta-vṛtti é parte integrante da lei da dualidade — uma dinâmica inevitável da mente, que tanto pode ser obstáculo quanto ponte para o autoconhecimento.
O antahkaraṇa – o “instrumento interno” da mente
A partir desse ponto, podemos compreender o que chamamos popularmente de “consciência” (em seu sentido mais amplo) como o antahkaraṇa, um termo que significa literalmente “instrumento interno” ou “faculdade interna”. O antahkaraṇa é formado por quatro agregados psicoemocionais principais, cuja apresentação inicial faremos a seguir, e cujas nuances exploraremos em detalhes ao longo deste texto (obs.: alguns artigos do blog fazem parte do livro “Desperte no Corpo, Liberte na Consciência” do autor do blog universodoespirito.com).
Manas: processamento de informações sensoriais.
Manas: a mente propriamente dita, responsável por processar as informações sensoriais, coordená-las, integrá-las e deliberar sobre elas. Pode ser comparada a uma central de processamento que reúne os dados recebidos pelos circuitos neuronais — que, de fato, são eletroquímicos (os “bytes” compostos por pulsos elétricos e reações químicas) — transmitidos pelos diferentes órgãos dos sentidos (indriyas).
Com isso, o manas monta um “quadro geral” da realidade perceptiva, que em seguida é apresentado ao buddhi para análise e decisão. O manas é, portanto, o primeiro aspecto sutil e subjetivo do ser que interage diretamente com o cérebro, através do corpo energético. Juntos, a atividade neuronal e esse corpo energético formam uma interface delicada, que permite o acoplamento dos corpos sutis relacionados às atividades psicoemocionais.
Buddhi: inteligência, discernimento e escolhas.
Buddhi: a inteligência ou discernimento (viveka), cuja função é deliberar, julgar e decidir. É o aspecto da mente que resolve problemas, distingue o certo do errado e dá direção às escolhas. Para isso, o buddhi acessa os “arquivos psíquicos” armazenados pelo citta (o campo mental):
- Smṛti — as memórias;
- Saṁskāras — as impressões subconscientes, moldadas por ações, pensamentos e experiências vividas;
- Vāsanās — os desejos latentes e tendências comportamentais inconscientes, resultantes da repetição dos saṁskāras.
Com esse acervo, o buddhi avalia o quadro montado pelo manas, formula um juízo de valor, delibera e apresenta sua decisão ao ahaṁkāra (o “fabricante de eus” — sim, porque não existe apenas um ego, mas vários personagens disputando o palco da consciência).
O buddhi pode ser visto como o juiz interno: ponderado, analítico e relativamente imparcial, embora inevitavelmente influenciado pelo material que consulta nesses depósitos psíquicos. É ele que, ao final, dá a palavra decisiva sobre como pensamos, sentimos e agimos.
Citta: o reservatório de memórias e tendências.
Citta: No presente contexto, esse termo aponta mais especificamente para a memória (smṛti) ou consciência acumulada, que serve como um vasto reservatório de impressões e experiências passadas (saṁskāras), e tendências latentes (vāsanās). É o banco de dados interno que armazena tudo o que vivenciamos, influenciando as decisões e reações do buddhi e do ahaṁkāra.
Ahaṁkāra – o CEO do Antahkaraṇa
Ahaṁkāra: o criador dos muitos “eus”.
Ahaṁkāra: Literalmente “fazer o eu”. Aham — é o pronome pessoal da primeira pessoa do singular, que significa “Eu” ou “Eu sou”. É a expressão mais direta da individualidade, a afirmação da própria existência. Em um nível mais profundo, Aham aponta para a consciência pura, o ātman, mas quando combinado com kāra, ele se torna o “eu” limitado e condicionado.
Kāra — derivado da raiz verbal kṛ, que significa “fazer”, “criar”, “agir”, “produzir”. Kāra pode ser traduzido como “fazedor”, “criador” ou “aquele que faz”, conhecido também como o criador de egos. O ego ilusório (impermanente), que cria o senso de “eu” e se identifica com o corpo, a mente e as experiências (psicoemocionais).
A partir das deliberações do buddhi, o ahaṁkāra assume a tarefa de identificar e fixar essas percepções em relação ao manas, citta e buddhi. Ele é o responsável por criar a sensação de identificação de apego ou aversão, de agradável ou desagradável.
Mais importante ainda, além do impacto da vida moderna, o ahaṁkāra toma a frente da identificação, declarando: “Eu sou os pensamentos, as emoções, os sentimentos, a ideologia, o partidarismo, a opção sexual, a religião, o ‘isso’ e o ‘aquilo’.“
É ele quem constrói a narrativa do “eu(s)” e nos mantém presos à ilusão de separação e individualidade. Adquire vida própria, obcecado pela sobrevivência, e fará de tudo para ofuscar o Si mesmo, na ilusão de controlá-lo. É ele que, ao final, dá a palavra decisiva sobre como pensamos, sentimos e agimos.
No contexto de citta-vṛtti (no Yoga), o termo citta não se limita à memória ou consciência acumulada (citta como reservatório), mas engloba as funções de manas, buddhi e ahaṁkāra.
Ele representa o “campo mental” completo, onde as flutuações (vṛtti) ocorrem. O objetivo do Yoga é cessar (gradualmente) essas flutuações para que a mente se torne clara e reflita a luz do puruṣa (o Eu verdadeiro – o Si mesmo, ou o ātman).
Esses quatro aspectos do antahkaraṇa trabalham juntos como um mecanismo interno que conecta o mundo externo à nossa experiência subjetiva. No entanto, quando os citta-vṛttis estão sem direcionamento, sentido e propósito, eles nos afastam da percepção do Si mesmo (ātman), que está além, e é a própria base existencial, do antahkaraṇa.
Portanto, o objetivo das práticas físicas, psicoemocionais e espirituais, como o Yoga e o Vedānta, é apaziguar e harmonizar essas faculdades, permitindo que o buddhi seja iluminado pela sabedoria do ātman e que o ahaṁkāra perca sua força ilusória e se renda, revelando a verdadeira natureza do Ser – o asmi (Eu Sou). Quando não for possível alcançar isso, que ao menos possamos aprimorar nossas competências, habilidades e atitudes para prosperar de maneira abrangente — seja na saúde, no âmbito socioeconômico, pessoal, interpessoal, emocional, intelectual, sentimental ou espiritual.
Ansiedade, distração e o vazio da vida contemporânea
O Yoga como caminho para cessar os citta-vṛttis.
Como nos ensina Patañjali, logo no segundo sutra do Yoga Sūtra: “yogaś citta-vṛtti-nirodhaḥ” — Yoga é o silenciar das flutuações da mente (YS 1.2). Mas como silenciar algo que nunca descansa, em um mundo que nunca para? A vida moderna, em vez de promover liberdade, frequentemente cultiva uma forma de escravidão invisível: a da mente hiperestimulada (sensorial, informacional e emocional). Dispersa entre telas, tarefas e expectativas (e algumas frustrações...), a mente se torna um terreno fértil para o surgimento dos citta-vikṣepa — distrações, perturbações e obstáculos internos que bloqueiam a estabilidade e o autoconhecimento.
Patañjali descreve esses distúrbios no Yoga Sūtra como doenças (físicas e emocionais), apatia, dúvida perniciosa, desatenção, preguiça e procrastinação, sensualidade desmedida, confusão, instabilidade e regressões no progresso espiritual (YS 1.30). Não é coincidência que estejamos vivendo uma verdadeira pandemia de sofrimento psicológico. Não por falta de recursos externos, mas por um vazio interno que sequer conseguimos nomear.
Esse vazio, que muitos tentam preencher com consumo (os mais variados), performance física (e/ou sexual), investimentos financeiros e estéticos ou validação nas redes sociais, não é algo novo. A Kathopaniṣad já advertia: “Parāñci khāni vyatṛṇat svayambhūs tasmāt parāṅ paśyati nāntarātman” — O Ser Supremo criou os sentidos voltados para fora, e por isso o ser humano vê apenas o exterior e não o interior (Katha 2.1.1).
Quando nos perdemos na exterioridade, sem tempo para a introspecção, rompemos o contato ilusório com o centro silencioso do Ser – o Si mesmo — sim, é uma ilusão, pois já somos o Si mesmo, sempre. Mas o ego é tão ardiloso e competente que acreditamos nele e, assim, cremos que perdemos esse contato. Quem crê que “perde” algo é o ego, o que de fato não somos — somos eternos, não temporários, como o ego. Que nesse exato momento da leitura achamos que somos — o personagem.
Por que a mente moderna é um terreno fértil para o sofrimento.
A mente, sem ancoragem, torna-se refém dos estímulos e emoções transitórias (mas persistentes e repetitivas). O resultado é uma vida ansiosa, superficial e profundamente solitária, mesmo que cercada por uma aparente conexão. Por trás da corrida frenética do cotidiano, o que realmente enxergamos é um grito silencioso por significado. Um anseio profundo, ainda que difuso, por uma vida mais verdadeira, mais presente, mais plena.
A reconexão com o Si Mesmo além do ego.
A boa notícia é que esse anseio não precisa ser sufocado, ignorado ou medicado — ele pode ser acolhido como um chamado. Um chamado ao retorno, como ensinado por Bhagavān Śrī Kṛṣṇa na Bhagavad-gītā: “man-manā bhava mad-bhakto mad-yājī māṁ namaskuru mām evaiṣyasi satyaṁ te pratijāne priyo ‘si me” — Pense sempre em Mim e torne-se Meu devoto. Adore-Me e ofereça-Me homenagens. Agindo assim, você virá a Mim impreterivelmente. Eu lhe prometo isto porque você é Meu amigo muito querido. (Gītā 18.65).
Aqui podemos inferir dois entendimentos: primeiro, como nossa submissão amorosa a Deus (Īśvara – significa “Senhor”, “Deus”, “Ser Supremo” ou “Controlador Supremo“); e, ao mesmo tempo, como a entrega do antahkaraṇa (a faculdade interna psicoemocional) ao nosso próprio espírito imortal, o ātman, o que verdadeiramente somos – o Si mesmo. É como se o espírito imortal que somos (ātman) dissesse ao nosso ego (ahaṁkāra): “Olha aqui, meu caro, oferece tua mente a Mim, sê Meu devoto, adora-Me e dá aquele famoso ‘ok, você venceu’ oferecendo-me homenagens. Prometo que, assim, você vem direto para Mim, sem erro. E sabe por quê? Porque, apesar de tudo, você é muito querido por Mim!
Esse convite à entrega e à interiorização é, acima de tudo, um gesto de reconciliação com o que há de mais sagrado em nós. Mesmo em meio ao caos da modernidade, é possível retornar ao silêncio original — não o silêncio da ausência de ruído, mas aquele onde cessam as confusões da mente e começa a revelação do Ser.
Conclusão – Retorno ao Silêncio Interior
O impacto da vida moderna pode ser transformado em expansão.
No fim das contas, o verdadeiro impacto da vida moderna sobre a mente não é apenas a ansiedade, a distração ou o vazio existencial que sentimos no turbilhão diário. É também a oportunidade escondida de despertar para um novo caminho: o do silêncio interior, do autoconhecimento e da reconexão com o Si Mesmo. Ao invés de nos deixarmos aprisionar pelos citta-vṛttis — as flutuações incessantes da mente — podemos transformá-los em pontes para a consciência plena.
A vida moderna pode fragmentar, mas também pode ensinar; pode sufocar, mas também pode revelar a urgência do essencial. Práticas como o Yoga, a introspecção e a espiritualidade não são apenas técnicas antigas para tempos antigos: são antídotos atemporais para os dilemas de hoje.
Que possamos, mesmo em meio ao caos tecnológico e às distrações constantes, lembrar que o verdadeiro equilíbrio emocional e espiritual não se encontra fora, mas no silêncio interior que sempre esteve em nós. Afinal, viver não é correr atrás do tempo que falta — é finalmente habitar o instante presente, com lucidez, leveza e sentido.
👉 E você, como sente o impacto da vida moderna sobre a sua mente? Compartilhe nos comentários a sua experiência — sua reflexão pode inspirar outras pessoas.
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