Reflexões sobre Amar o Próximo

Tempo de leitura: 14 minutos

Amar o próximo como a si mesmo.

amar o próximo como a si mesmo

Os afetos da alma são laços misteriosos que nos conduzem a Deus.

— Humberto de Campos

Antes uma observação: não sou dono da verdade, não quero impor uma verdade, nem esgotar o tema.
Quero sim levantar reflexões. Cada um é livre para seguir por onde quiser. Abro apenas uma pequena janela…Amar o próximo como a si mesmo.

Reflexões

tudo se encaixa

Esse mandamento é encontrado, primeiramente, em Levítico 19.18, mas encontramos, também, em várias partes do NT: Mt 19:19, 22:39; Mc 12:31, 33; Lc 10:27; Tg 2:8; Gt 5:14; e, Rm 13:9.

Alguns exemplos das palavras utilizadas em três diferentes línguas:

Hebraico: Lv 19:18  וְאָֽהַבְתָּ֥  לְרֵעֲךָ֖  כָּמ֑וֹךָ  אֲנִ֖י  יְהוָֽה׃

Grego: Mt 19:19  καὶ  Ἀγαπήσεις  τὸν  πλησίον  σου  ὡς  σεαυτόν.

Latim: Mt 19:19 et diliges proximum tuum sicut te ipsum

Gostaria de salientar alguns pontos dessa palavra — amor — utilizada nas línguas citadas acima.

A palavra amor — אַהֲבָה, nessa passagem em Levítico, é descrito como ve’ahavta (e amarás – וְאָֽהַבְתָּ֥) em hebraico, é interessante notar que ela está escrita da mesma forma como em Deuteronômio 6:5, que é a fórmula para todo o sucesso na vida. Vou explorar esse tópico melhor ao longo e no final do texto. Essa palavra pode ser traduzida como amor de pai para filho, a justiça, Jerusalém, amar a Deus, amor fraterno.

Essas passagens: Lev 19:18 e Dt 6:5  – constituem verdadeiros e poderosos sutras — (costurar em sânscrito), aforismos, sentenças matemática e filosoficamente perfeitas, são frases compostas de forma muito sutil e sintética. São verdadeiros códigos que possuem muita informação em relação ao tamanho da frase. São como costuras feitas com fios de informações. São como o DNA.

Nas traduções no Novo Testamento, que foi escrito originalmente em grego, é traduzido como Ἀγαπήσεις — agapêseis (agápê – αγάπη, ής, ή ). E essa palavra em grego pode ser traduzida como amor, generosidade, gentil preocupação e devoção.

No Latim a palavra hebraica amor foi traduzida como diliges —  do verbo diligere que pode ser traduzido como ter atenção, respeito, cuidado, estimar, valorizar e amor. Diligere que também significa escolher, colher e recolher origina a palavra diligente e dileto.

Mas o importante é o contexto da frase que nos traz a ideia de um amor fraterno, incondicional, espiritual.

O amor se constrói numa atitude de doação, de compartilhar, de se importar, de se dar ao outro. Esse sentimento amoroso, que é exposto nesse mandamento, é um movimento, portanto, de aprendizado.

Bom, feito essa introdução vamos iniciar nossa conversa sobre amar o próximo como a si mesmo com os diferentes entendimentos que essa frase pode levar…a depender da consciência que se tem sobre o tema e sobre si mesmo.

Como assim?!?

Vejamos…

trabalhando a mente

Trabalhando a Mente

Paradoxalmente é interessante notar que a frase é valida para diferentes níveis de vivência e de consciência independente do nível evolutivo (ético-moral) do ser humano.

Para começo de conversa só vamos amar o próximo a partir da compreensão que temos de nós mesmos, da compreensão desse sentimento/percepção de amor que temos por nós mesmos. E, por extensão, pelo o que chamamos de próximo.

Iniciemos na noção de “amor” baseado no falso ego (o distorcido amor próprio) que vai tratar o próximo (o outro) a depender de como se enxerga esse próximo e de quem é esse próximo.

Esse “enxergar” não pode nunca prescindir (ou seja, passar sem, dispensar, pôr de parte) de como a pessoa enxerga a si mesmo!

Assim, trato o próximo, o outro, de acordo a uma pré-concepção, bem definida, baseado numa ideia distorcida (consciente ou não) que se tem do que é o si mesmo, do que é o Ser.

— Tipo: se pertence a minha raça, minha etnia, meu grupo, minha tribo, minha ideologia, minha condição social…
Essa concepção vai ser mais ou menos ampla de acordo a condições citadas anteriormente.

“Amor” baseado no sentimento de propriedade sobre o próximo (egoísmo-egocentrismo-propriedade).

— Tipo: minha mulher, meu homem, minha família, do meu partido, da minha religião, da minha região, da minha nação, do meu planeta…(muita ênfase nesse minha, meu, viu!)

Alien Covenant banner
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O Alien Interno

Aí nasce uma nova categoria de ser, pois se o próximo é aceito por mim e compartilha de uma identidade que se faz necessária o que não me é próximo é… um alien(!) (de alienado de mim, alijado), pois é o diferente de mim e dos meus (que se considera, nesse contexto, o próximo).

Um exemplo: um integrante da Klu Klux Klan trata seu próximo com muito amor, respeito, solidariedade e compaixão. Lembrando que, o próximo aí, é o supremacista branco ou um integrante da K.K.K.

Isso vale também para aqueles que pertencendo a uma determinada etnia odeia uma outra.

Ou ainda, se eu milito em um partido, em uma determinada visão de mundo político-cultural-filosófico, o que é diferente ou não concorda comigo é um alien.

E vou dizer uma coisa…não falta exemplo disso no mundo inteiro atualmente!

Percebe-se, ainda, que existe um gradiente espectral no tratamento ao próximo. Nem todo mundo vai partir pra porrada ou pro xingamento explícito, ou ainda pra o assassínio moral. Isso quer dizer que apesar de tratar o próximo X com todo o amor e respeito, para o apenas o desprezo e/ou a indiferença, ou ainda o preconceito velado, basta como tratamento.

Os diversos preconceitos são um exemplo de como tratar o que se concebe como seu próximo e como seu alien — e a si mesmo portanto.

Mesmo dentro de uma etnia, por exemplo, ou de um mesmo grupo “racial” pode-se ter diferentes noções do que é esse próximo e esse alien.

Exemplo: se uma pessoa de uma determinada etnia não comunga de uma mesma agenda político-cultural, que muitas vezes é imposta por uma minoria ativa, daquela etnia, esse próximo é transformado num alien imediatamente.

O que muita gente não entende é que quando trato o outro como alien, SE É o alien verdadeiro, ou o verdadeiro alien, agindo dessa forma!

Portanto, num primeiro entendimento esse mandamento — amar o próximo como a si mesmo — visto de forma isolada, vai depender da percepção do que seja o si mesmo!

Por isso, na história tantos grupos, no passado e no presente, em nome de Deus, ou de Jesus, de algum outro profeta ou mestre (ou mesmo religião), impôs pela força (e muitas vezes pela morte) seus objetivos com a “autoridade” de se estar agindo de forma adequada conforme a “vontade” divina…

Já agimos em alguma medida assim, em algum nível. Muitas vezes sem perceber. Mas o papel da espiritualidade e da autocrítica, autoanálise construtiva é se perceber cada vez mais, num contexto maior de uma fraternidade global, e, por que não, cósmica.

Enxergue sua sombra e verá a Luz que pode ser revelada da escuridão!

Pois, a noção do próximo nasce da noção do si mesmo!

Aqui começa então a grande questão!

buscando uma identidade real

Noção de Identidade

Depende da referência.

Uma observação importante, mesmo essa referência pode ser, e é, distorcida (intencionalmente ou não).

Por exemplo: Deus possui diferentes percepções de entendimento, por conseguinte o eu também.

De qualquer forma a referência escritural, deixada por tantas mentes brilhantes, já representa um bom início de caminho, para se chegar a um entendimento, que possibilitará, através de um método vivencial, chegar a uma compreensão a essa pergunta: o que é o eu, quem sou eu.

O ser humano poderia (e pode!), de forma muito proveitosa, “ter a cabeça aberta”  para escutar as diferentes referências, e, num auto-exame crítico e reflexivo chegar a um entendimento e/ou compreensão do si mesmo, que está em evolução contínua.

Não podemos negar que temos bons referenciais teóricos-escriturais para partirmos a uma boa pesquisa e estudo sério.

saindo da zona de conforto

Saindo da Zona de Conforto

Precisamos urgente nos movimentarmos e provocar realmente uma transformação em nossa maneira de lidar com o próximo e… com nós mesmos!

Temos a nossa disposição:

Os textos judaicos-cristãos como a Torah, Tanach e o Novo Testamento — Bíblia, os textos rabínicos, o Talmud, e místicos, como a Kabbalah e o Zohar que foram tão belamente comentados e traduzidos por sábios e filósofos como Rav Shimon Bar Yochai, Rav Isaac Luria, Rav Ashlag, Rav Brandwein e Rav Philip Berg, Karen Berg entre outros.

Os belos textos filosóficos cristãos de São Tomás de Aquino, como a Suma Teológica e de São Agostinho, como a obra Sobre a Trindade. Além dos autores cristãos clássicos não podemos deixar de citar John Bunyan, Tomás de Kempis, Fiódor Dostoiévski, C.S. Lewis…entre tantos.

Os profundos textos da filosofia espiritual oriental tais como o Vedanta, Bhagavata-purana, os Upanishadis, o Bhagavata-gita e os inúmeros comentários de eminentes filósofos representantes dessa cultura filosófica riquíssima como Srila Rupa Goswami, Srila Sanatana Goswami, Sirla Krishnadasa Goswami, Srila A.C. Bhaktivedanta Swami Prabhupada, Srila Sridhara Goswami, Srila Vivekananda, Srila Paramahansa Yogananda.

O pentateuco de Allan Kardec— o Livro dos Espíritos, o Livro dos Médiuns, o Evangelho Segundo o Espiritismo, a Gênese e o Céu e o Inferno. A extensa obra de Chico Xavier, Robson Pinheiro, Divaldo Franco, Adenauer Novaes entre outros.

Isso sem falar na profunda e rica sabedoria das filosofias espiritualistas da tradição africana e umbandista que tem em W.W. da Mata e Silva um dos expoentes na sabedoria da tradição Umbandista, e Mãe Stella de Oxossi uma verdadeira baluarte da tradição do Candomblé com vários livros escritos.

Ainda temos, de igual importância, a extensa filosofia ocidental e a CIÊNCIA para balizar e completar esse estudo.

Não estou dizendo que alguém TEM que estudar isso tudo, estou apenas mostrando que temos a nossa disposição uma verdadeira riqueza escrita para poder mergulhar no tema.

Diria ainda que se tivesse que escolher uma obra, das citadas, seria o Novo Testamento pois ali, apesar da problemática envolvendo as traduções, se encontra não só os ensinamentos daquele que é considerado a personificação da Torah e da Luz Infinita do Criador, mas o arquétipo humano perfeito — Jesus, o intérprete de Deus, pois através de seu comportamento, no dia a dia daquele povo com o qual conviveu, nos ensina hoje um conhecimento atemporal de como sermos bem sucedidos na vida em comunidade e na vida pessoal.

Agora, se o preconceito, a aridez mental e a cegueira de coração impedem o respeito e a convivência entre os diferentes, ou a leitura dos diferentes olhares sobre a questão, vejo ainda mais urgente o ensinamento do Cristo sobre o tema, quando interpelado pelo mestre da Lei, discorreu sobre a parábola do bom samaritano…

O legado filosófico, espiritual, científico, histórico e cultural que nos foi deixado é instrumento e ferramenta adequada para não cairmos num misticismo barato, numa mitificação vazia, numa idolatria de barro e numa fascinação esquisotérica.     — Kirtanadas.

O que se faz necessário é um autêntico, honesto, intenso e ardente desejo para desvendarmos essas questões essenciais que envolvem os temas ontológicos do Ser e do que vem a ser o Supremo.

Porém, sem a prática, a vivência, a experiência, fica tudo apenas no imaginário e na aridez do conhecimento desértico dos Doutores da lei, da filosofia ou da ciência.

O estudo deve conduzir à meditação (prece, contemplação, reflexão profunda…), a meditação amplia a capacidade da percepção, da atenção, da reflexão. O estudo e a meditação embasam a prática do viver atento ao aprendizado, a apreensão e compreensão que nos transforma e nos transporta à autorrealização.

Podemos atingir o espectro totalmente oposto ao exposto no início do texto e tão bem elaborado por Jesus na parábola do Bom samaritano. Veja o vídeo sobre essa parábola aqui.

A Caminhada Começa

 A Caminhada Começa

Com Um Passo de Cada Vez

A maturidade da busca interna pelo eu real — o espírito imortal. Acompanhado pela percepção crescente desse estado de Ser, de consciência, nos permitirá lograr o sentimento amoroso pela Luz Infinita do Criador — a Suprema Personalidade da Divindade — que transcende palavras e entendimento psíquico humano e por conseguinte o desenvolvimento do amor ao próximo.

Baseado no que foi exposto até agora, quando começarmos a perceber que se seguirmos a recomendação prática do Cristo (Lc 10.25-37) de nos colocar na posição de SERMOS o próximo de quem necessita começaremos a compreender na prática a lógica do significado de amar o próximo como a si mesmo.

Jesus é tão magnânimo que só essa parábola explica tudo de forma prática e simples!

No começo desse caminho vamos, em diferentes níveis, agir baseado em algum desejo egoísta ou afim, mas é completamente normal.

Mas, diferente do que foi dito no início desse texto, do amor egoísta como finalidade, e apesar de algum interesse envolvido, o objetivo é desenvolver a plenitude do sentimento proposto por Jesus.

E, no decorrer da caminhada, vamos ganhando em maturidade e percepção. Deixando de lado os interesses mesquinhos e egoístas. Provando um gosto superior através de um agir cada vez mais humanizado, ético e espiritualizado no trato com o outro e consigo mesmo.

A receita está em Deuteronômio 6.4-5 e em Levítico 19.18 e corroborada por Jesus em Lucas 10.25-37:

Amarás o Senhor teu Deus de todo o Coração (sede da razão – do conhecimento e sabedoria / do sentimento – Amor, empatia e compaixão), de toda a tua Alma (espírito encarnado – ação ética baseado no bem próprio e geral) e de todas as suas forças (de suas posses, de seus conhecimentos, utilizando tudo para promover e compartilhar a prosperidade, abundância e sucesso) e Amarás o próximo como a ti mesmo (se colocar como o próximo daquele que precisa até atingir a autorrealização espiritual – a plenitude do Ser – o Espírito Imortal que somos).

Para finalizar a questão, não quero propor querer ser bonzinho ou bancar de santinho – Deus me livre(!!!), mas apenas agir no nível mais humano, ético e espiritual (o que somos em essência) possível e crescente.

Amar o próximo como a si mesmo nunca foi, não é, e nunca será ser ingênuo, ser besta, ou idiota. Devemos agir com a melhor das intenções sempre — no sentido de promover nosso desenvolvimento e o da sociedade, mas se somos alvos da maldade retribuída ao bem realizado, apliquemos a justiça no seu grau de merecimento à ação desenvolvida, sem querer devolver ou promover mal, senão não teria lógica esse mandamento.

Justiça também é um ato de amor, assim como a misericórdia é, elas são irmãs e filhas do amor!

Justiça, misericórdia, amor, compaixão, empatia, compreensão, perdão, maturidade e atitude são algumas das sementes internas que temos que estimular, cultivar e espalhar no mundo!

Trilhando um caminho de autoconhecimento e autotransformação que possibilite uma vivência mais adequada e um nível mais elevado de consciência que desperte um sentimento de compartilhar Luz-Amor transformador.

Grande abraço !!!

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